Floresta Amazônica:
desmatamento causa impactos no planeta
Depredação gera desequilíbrio ambiental e afeta a
rica biodiversidade
Por Patricia Piacentini
A maior
biodiversidade do mundo espalhada em cerca de sete milhões de quilômetros
quadrados – essa é a Floresta Amazônica, que está presente no Brasil, Peru, Colômbia,
Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. No país, a
área é chamada de Amazônia Legal, com 5.217.423 km², e abrange os Estados do
Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e pequena parte dos Estados do
Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. “A Amazônia é de longe o bioma mais diverso
do planeta, com 10% de toda a flora. Para se ter uma ideia, enquanto a Amazônia
possui 5.000 espécies de árvores, a América do Norte inteira possui apenas
650”, compara Magno Botelho Castelo Branco, doutor em Ecologia e Recursos
Naturais e presidente da organização Iniciativa Verde.
“Com
toda essa diversidade de climas, solos, relevos e ambientes distintos,
conectados geograficamente ou não, a Amazônia é considerada a maior floresta
tropical e maior banco genético do planeta, com mais de 1,5 milhões de espécies
vegetais catalogadas, além de três mil espécies de peixes e 950 espécies de
aves, e uma rica diversidade de répteis, anfíbios, mamíferos e insetos, muitos
deles ainda nem catalogados pelos cientistas”, complementa Adriana Maria
Imperador, doutora em Ciências da Engenharia Ambiental e professora da
Universidade Federal de Alfenas (Unifal).
Há ainda
muitos “tesouros” guardados na Floresta Amazônica. “É importante ressaltar que,
devido a sua extensão, parte de sua biota (conjunto de seres vivos de um
ecossistema) ainda não foi identificada, o que aumenta ainda mais sua
importância para a biodiversidade mundial”, diz Branco. De acordo com Adriana,
muitas destas espécies podem trazer benefícios imensuráveis ao homem, como a
cura de doenças, servir como fonte de alimento, para a produção de remédios e
cosméticos, além trazer benefícios ecológicos e ambientais.
A
Amazônia, segundo a pesquisadora, também apresenta grande diversidade étnica
com comunidades tradicionais indígenas, ribeirinhas e de seringueiros, que
vivem dos produtos extraídos da floresta e são possuidoras de conhecimento
empírico hoje muito valorizado e resgatado por estudiosos do mundo todo.
Desmatamento
Mas por
que uma área tão rica em recursos naturais não recebe a proteção adequada e tem
o desmatamento como sua maior ameaça? Conforme dados do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe), em 2011, a taxa de desmatamento da Amazônia Legal
foi de 6.238 km². Já o acumulado de 1988 a 2011 chegou a 392.021 km². “O
desmatamento realizado para a agropecuária ainda é a maior ameaça à floresta
primária da Amazônia. Isto se deve principalmente ao tamanho das áreas
desmatadas para a formação de pastagens e produção de grãos. Intervenções de
minerações e de hidrelétricas são mais drásticas, porém a escala é sempre bem
menor do que da agropecuária”, explica Niro Higuchi, pesquisador do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Para o
pesquisador, a exploração seletiva de madeira também representa uma importante
ameaça à integridade da Amazônia. “Há uma lógica perversa que indica que os
Estados da Amazônia que mais produzem madeira são também os que mais a
desmatam”, ressalta.
Branco,
por outro lado, acredita que atribuir à criação de gado o papel de grande vilã
do desmatamento é injusto. “Outros vetores são também importantes. A pecuária
se expande para as áreas de floresta por ser literalmente empurrada para essas
áreas, visto que é uma das atividades que menos remunera a terra. Quando
ocorreu a expansão da cultura da cana-de-açúcar no Sudeste para a produção de
etanol, por exemplo, tivemos um deslocamento da pecuária e de outras culturas
para as áreas de terra com menor custo de oportunidade, o que inclui a
Amazônia”, esclarece. O desmatamento é uma consequência de várias forças que
resultam na ocupação sem planejamento da floresta. “A construção de estradas de
rodagem é uma delas, pois as rodovias fomentam o desmatamento ao longo de seus
eixos, o que ocorreria em intensidade muito menor se construíssemos ferrovias”,
defende.
Já
Adriana destaca as origens históricas do desmatamento: “a Amazônia ficou
esquecida durante mais de quatro séculos e as populações que habitavam este
ambiente permaneceram praticamente isoladas. Durante o governo de Getúlio
Vargas (1930-1945), a ocupação foi estimulada por um programa de avanço das
fronteiras”, aponta. Somente na década de 1970, expõe ela, a ocupação se deu de
forma mais efetiva com a política de “integrar para não entregar”. “Desde
então, muitos brasileiros migraram para o norte do país com a intenção de
ganhos imediatos à custa da derrubada da floresta. Esta ocupação desordenada
repercutiu no desmatamento com vistas à urbanização, à criação de gado e às
práticas agrícolas”, destaca.
Impactos
O desmatamento
reduz a biodiversidade, causa erosão dos solos, degrada áreas de bacias
hidrográficas, libera gás carbônico para a atmosfera, reduz a umidade do ar,
causa desequilíbrio social, econômico e ambiental. “A redução da umidade na
Amazônia pode reduzir as chuvas na região centro-sul brasileira e até mesmo de
outros países. Em 2005, quando a região amazônica sofreu com uma das maiores
secas já registradas, o impacto atingiu áreas distantes e acarretou a perda de
diversas culturas agrícolas no sul do Brasil e norte Argentina, com um prejuízo
incalculável e perdas irreversíveis”, exemplifica Adriana.
Além das
questões climáticas, o desmatamento causa também muitos prejuízos para a
biodiversidade. “Com a perda de habitat, as espécies desaparecem, e com elas se
perdem os serviços ambientais que nos prestam: metade da farmacopeia conhecida
tem origem em extratos naturais e em substâncias presentes em diversos seres
vivos. Compostos medicinais de origem natural são descobertos regularmente e,
como parte da biodiversidade amazônica ainda é desconhecida, estamos perdendo
esse patrimônio mesmo antes de conhecê-lo”, lamenta Branco.
Para
Higuchi, as emissões causadas pelo desmatamento são irracionais. “Eu diria que
o desmatamento na Amazônia contribui com 2/3 das emissões brasileiras. É
difícil aceitar estas emissões como racionais porque a Amazônia contribui com
menos de 8% na formação do produto interno (ou doméstico) bruto do Brasil”.
Branco explica que a Floresta Amazônica se comporta como um enorme reservatório
de carbono atmosférico: “Durante o seu crescimento, as árvores removem enormes
quantidades de CO2 da atmosfera – metade da biomassa das árvores é constituída
de carbono. Com o desmatamento, todo esse carbono é reemitido para a atmosfera,
o que contribui ainda mais para o aumento do efeito estufa”, realça.
Como
combater
Para
coibir o desmatamento, de acordo com o pesquisador do Inpa, é necessário
simplesmente cumprir as legislações vigentes. Ele acredita que as ações tomadas
até agora não têm sido suficientes por falta de gente para impor as leis.
Branco concorda: “As ações tomadas pelo poder público são vitais, mas não
bastam. A grande iniciativa do governo consiste nas metas adotadas pela
Política Nacional de Mudança do Clima, que prevê a redução do desmatamento para
cerca de 20% dos níveis observados no período 1996-2005”, sinaliza. Para ele, é
importante que a sociedade exija garantia de origem nos produtos que consome,
por exemplo questionando as redes de supermercados se a carne que vendem é
oriunda de área de desmatamento ilegal.
Adriana
cita medidas adotadas no Acre em que a prática do manejo florestal é uma
alternativa ao padrão de exploração dos recursos naturais na região. “Minha
pesquisa de doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a
Embrapa, abordou aspectos da Certificação Florestal Comunitária para Produtos
Florestais não Madeireiros e apontou que é possível desenvolver e ao mesmo
tempo cumprir critérios que indiquem uma postura sustentável que seja
ecologicamente correta e viável, e socialmente justa”. Ela destaca também a
criação de unidades de conservação de uso sustentável, determinada pelo Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2000), que estimula o uso
sustentável da floresta.
Créditos
de carbono
Segundo Branco,
ações de preservação na Floresta Amazônica podem gerar créditos de carbono. “Já
existem alguns projetos demonstrativos em andamento. Em uma escala maior, há
diversas propostas de como as empresas e mesmo unidades federativas podem
cumprir metas de redução de emissões de carbono em parte financiando projetos
que contribuam para a redução do desmatamento na região. Todas essas
iniciativas estão em fase preliminar e, em um futuro próximo, teremos boas
notícias sobre o assunto”, acredita.
Adriana
pontua que a existência da floresta não confere ao Brasil hoje o direito de
utilizar este grande mérito como crédito de carbono. “Porém, seria uma
estratégia interessante do governo investir na inclusão de suas áreas
florestais nessa proposta, pois serviria como incentivo à manutenção da
Floresta Amazônica e demais áreas florestais contidas em seu território.”
Entretanto,
Higuchi lembra que, quando o crédito de carbono surgiu como mecanismo de
desenvolvimento limpo (MDL), em 1997, no Protocolo de Quioto, houve grande
expectativa para a proteção das florestas tropicais por meio, principalmente,
da recuperação das áreas desmatadas. “No entanto, de 1997 até os dias atuais
não há nenhum MDL-florestal aprovado na Amazônia. O crédito de carbono
funcionou como ‘ouro de tolo’ naquela região”, lamenta.
Em
relação à nova alternativa para proteger as florestas conhecidas como Redução
de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd, em inglês), Higuchi
defende que são necessários projetos consistentes. “O fracasso do MDL-florestal
pode ser atribuído à falta de bons projetos. O mesmo pode ocorrer com o Redd se
não houver bons projetos, porque esse mercado é muito exigente. Isso significa
a utilização de métodos confiáveis, replicáveis e auditáveis”, finaliza.
Floresta Amazônica não é o pulmão do mundo
O mito
de que a Floresta Amazônica é o pulmão do mundo surgiu associado ao mecanismo
de fotossíntese e respiração das árvores, que têm capacidade de absorver o
dióxido de carbono (CO2) e liberar o oxigênio (O2). Já o pulmão, ao
contrário, absorve o oxigênio durante a inspiração e libera o dióxido de
carbono durante a expiração. “Para enterrar de vez este mito, temos que
pensar em escala também: na atmosfera há 21% de oxigênio e 0,04% de dióxido
de carbono. Por mais que a Floresta Amazônica tivesse uma troca gasosa
favorável com a atmosfera, a quantidade seria insignificante”, detalha Niro
Higuchi, do Inpa.
“A
grande maioria do oxigênio presente na atmosfera é produzida por algas nos
oceanos, de modo que a contribuição das florestas em geral para a produção
líquida desse elemento é pequena. Mas a Amazônia tem um papel importantíssimo
para o clima global, que é a estocagem de enormes quantidades de carbono
atmosférico”, acrescenta Magno Branco, da Iniciativa Verde.
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